terça-feira, 4 de março de 2008

2 anos

Fez ontem 2 anos que te fui ver. Bati à porta do teu quarto no 1º andar da Ordem do Carmo e foi o teu irmão que abriu, apenas entreabriu a porta, estava completamente lívido. Depois apareceu a tua mãe. Cumprimentei-a e dirigi-me para a pare do quarto onde estavas, mas a tua mãe não me deixou passar. O meu cérebro parou. Só ouvi partes do que ela dizia, sobre o teu estado e que não queria que eu te visse assim e mandou-me sentar porque aparentemente eu fiquei sem cor (o que me recordo é do chão do quarto, das paredes, de não acreditar no que estava a acontecer).
Saí. Fui até à Igreja do Carmo onde estavam a rezar o terço. Sentei-me e pela 1ª vez na minha vida revoltei-me com Deus. Tentei mas não conseguia rezar. Os pensamentos saltavam entre a dor que eu sentia, a negação do que estava a acontecer e entre as providências práticas que se teriam de tomar. Aos poucos fui-me acalmando e consegui acompanhar um pouco o terço. Rezei pela tua cura e comecei a acreditar que irias recuperar milagrosamente. Fui apanhar o metro e telefonei à Márcia, uma das poucas pessoas a quem eu tinha contado com a tua autorização. Ela tentou preparar-me para o inevitável, só-lhe faltou abanar-me ou dar-me um par de estalos, mas eu mantive-me impassível na minha crença da tua recuperação. Simplesmente não estava pronta a abdicar de ti, portanto o teu desaparecimento da minha vida nem sequer era questionável (puro egoísmo). Fui para casa, ninguém conseguia perceber a minha ansiedade e dor. Mas eu continuava a acreditar piamente na tua recuperação.
Faz hoje 2 anos que acordei por volta das 5 da manhã com uma sensação inexplicável, virei-me na cama e voltei a adormecer. Acordei e disse a mim mesma que não ia ter quaisquer pensamentos negativos, que ia acreditar que tudo ia correr bem. Passei a manhã inteira a adiar um telefonema à tua mãe, a perguntar por ti. Já estava o meu agora marido quase a chegar a minha casa para me ir buscar para o almoço, quando disse a mim mesma que não podia adiar mais. Liguei para o telemóvel da tua mãe e com a voz mais alegre e positiva que consegui perguntei se estavas melhor. Recordo-me perfeitamente do tom da voz da tua mãe e das suas palavras: "CITRAG, a Ticiana faleceu hoje de madrugada". O meu mundo desabou.
Nunca acreditei que este fosse o desfecho. Nunca. Acompanhei todo o teu calvário, vi-te chegar a um estado incosciente e cadavérico e mesmo assim nunca acreditei. A negação sempre foi minha aliada durante a tua doença.
Mal desliguei o telefone, o meu lado prático apoderou-se de mim, comecei a ligar às nossas amigas, a todas aquelas que me tinhas proibido de contar o que se passava. Foi duro. Ninguém acreditava que estivesse a falar a sério. Até parece que alguma vez iria brincar com a tua morte.
Fiquei anestesiada para o resto do dia. Tudo se passava à minha volta sem que eu desse conta. Não queria acreditar. Não pensava, não sentia, não via nem ouvia, parecia que o meu corpo estava em blackout. Em pura negação.
Faz amanhã 2 anos que fui com a Susana, Ana Rute, Sónia e Ana Maria até Felgueiras. Na viagem para lá fomos a conversar sobre banalidades, mas a realidade esperava-nos. Na casa mortuária estavam os teus familiares em redor do teu caixão fechado (a pedido da tua mãe). Cumprimentei-os e abracei a tua mãe que a chorar me disse: "já não tens a tua amiga. A tua amiga já cá não está". Foi muito duro, mas eu continuava em negação. Começaram a chegar mais nossas amigas e colegas. Dizem que as más notícias correm depressa e assim me pareceu. Foi extremamente difícil ver o teu caixão descer à terra e foi só nesse momento que me apercebi que não havia voltar a dar, que não iria voltar a ouvia a tua voz. Foram momentos surreais. Olhei em volta e os meus pensamentos eram todos uma conversa contigo sobre as reacções das pessoas, sobre quem estava lá e quem eu sabia que tu não querias que estivesse. Parecia que conseguia ouvir os teus comentários, mas também erámos tão próximas que sabíamos o que esperar uma da outra. Quando íamos a sair do cemitério encontrei a Berta, que me abraçou e foi o momento em que me permiti chorar convulsivamente. Ali estavam as tuas amigas a despedirem-se de ti. E a imagem do teu caixão a descer para a cova ficou gravada na minha memória para sempre. A viagem de regresso fez-se em silêncio.
O que recordo hoje de ti é o teu sorriso, a tua disponiblidade, a tua amizade. Sempre que me recordo de ti, agradeço a Deus ter-me dado a oportunidade de fazer parte da tua vida. De ti só me lembro de bons momentos. Estás e estarás para sempre no meu coração. Tu sabes.

4 comentários:

Anónimo disse...

E eu fui daquelas que não queria acreditar... Mas a reacção era inesperada... Ainda me lembro de como me "berraste" ao telefone quando perguntei se estavas a brincar... Mas a verdade é que as palavras não saiam, tudo parecia errado...
Não me revoltei contra Deus, porque tudo o que acontece tem um motivo... Nem que seja o demonstrar aos outros que só o hoje vale a pena...
E graças à Ticiana tenho levado a minha vida a viver um dia de cada vez... vivendo o presente... o agora...
E ela vai ficar sempre connosco, no nosso coração... e por isso, nunca morrerá! Porque agora, mais do que nunca, ela acompanha-nos sempre...
E foram precisos 2 anos para conseguir desabafar tudo aquilo que eu sentia...
Obrigada Ticiana... Por seres quem eras... Por estares sempre connosco...
Obrigada Cláudia... Porque nos fazes sempre relembrar...

"You're in the arms of an Angel; may you find some confort here."

Anónimo disse...

Cláudia, minha querida amiga!

Como sabes, tenho consultado várias vezes o teu blog, para ir sabendo novidades tuas. Pela primeira vez deixo aqui o meu comentário.
A razão é simples, a nossa querida e nunca esquecida Ticiana. Não foi um momento fácil e ainda não é. Lembro-me perfeitamente quando me telefonaste pela primeira vez a contar que a nossa amiga estava muito doente. Choramos muito as duas ao telefone (confesso que estou emocionada a escrever este comentário). Não queria acreditar naquilo que estava a ouvir. Fiquei com uma dor imensa no peito. Ver partir uma amiga com uma nobreza de espírito tão rara, não foi fácil e nunca será.
A nossa revolta e o nosso desespero foram enormes, lembraste?
Alguns meses após a partida da Ticiana, sonhei 3 ou 4 vezes com ela...que tinha voltado. Como deves imaginar, a angústia foi grande. Contei a uma amiga que me disse para lhe acender uma vela e rezar por ela, era sinal que a nossa amiga estava a precisar de luz. Segui o conselho, entrei numa Igreja no Chiado, em Lisboa, acendi uma vela e rezei por ela. A verdade é que não voltei a ter o mesmo sonho. Penso que o seu espírito ficou mais sossegado. Às vezes sinto a presença dela ao meu lado...tenho a certeza que estará sempre aqui para nos ajudar.
Minha querida Cláudia, temos de seguir o exemplo de grande coragem da Ticiana e ter força para seguir em frente.
Um beijinho desta sempre amiga.

Sónia Q.

Anónimo disse...

Cláudia, minha querida amiga!

Como sabes, tenho consultado várias vezes o teu blog, para ir sabendo novidades tuas. Pela primeira vez deixo aqui o meu comentário.
A razão é simples, a nossa querida e nunca esquecida Ticiana. Não foi um momento fácil e ainda não é. Lembro-me perfeitamente quando me telefonaste pela primeira vez a contar que a nossa amiga estava muito doente. Choramos muito as duas ao telefone (confesso que estou emocionada a escrever este comentário). Não queria acreditar naquilo que estava a ouvir. Fiquei com uma dor imensa no peito. Ver partir uma amiga com uma nobreza de espírito tão rara, não foi fácil e nunca será.
A nossa revolta e o nosso desespero foram enormes, lembraste?
Alguns meses após a partida da Ticiana, sonhei 3 ou 4 vezes com ela...que tinha voltado. Como deves imaginar, a angústia foi grande. Contei a uma amiga que me disse para lhe acender uma vela e rezar por ela, era sinal que a nossa amiga estava a precisar de luz. Segui o conselho, entrei numa Igreja no Chiado, em Lisboa, acendi uma vela e rezei por ela. A verdade é que não voltei a ter o mesmo sonho. Penso que o seu espírito ficou mais sossegado. Às vezes sinto a presença dela ao meu lado...tenho a certeza que estará sempre aqui para nos ajudar.
Minha querida Cláudia, temos de seguir o exemplo de grande coragem da Ticiana e ter força para seguir em frente.
Um beijinho desta sempre amiga.

Sónia Q.

Mary Jo disse...

Pois é Claudia, tudo o que eu nao queria era comentar o teu blog pela primeira vez por um motivo tão triste...
Só para te dizer que eu sei o que é duro perder uma amiga.
É injusto.
Mas temos de pensar que elas estão a olhar por nós.
Um beijinho.